DRÃO

(1981, gravada em Um Banda Um, 1982.)

Escolhida por Francisco Gil

 

Drão

O amor da gente é como um grão

Uma semente de ilusão

Tem que morrer pra germinar

Plantar nalgum lugar

Ressuscitar no chão

Nossa semeadura

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer!

Nossa caminhadura

Dura caminhada

Pela estrada escura

Drão

Não pense na separação

Não despedace o coração

O verdadeiro amor é vão

Estende-se, infinito

Imenso monolito

Nossa arquitetura

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer!

Nossa caminha dura

Cama de tatame

Pela vida afora

Drão

Os meninos são todos sãos

Os pecados são todos meus

Deus sabe a minha confissão

Não há o que perdoar

Por isso mesmo é que há

De haver mais compaixão

Quem poderá fazer

Aquele amor morrer

Se o amor é como um grão!

Morrenasce, trigo

Vivemorre, pão

Comentário de Gil: "Há canções de maturação, que começam por uma pílula de criação – por uma gota que colore a água no jarro e vai decantando; um dia você pega aquele precipitado lá no fundo e trabalha nele. É um modo; 'Expresso 2222', por exemplo, foi feita assim. Mas há canções que demandam esforço concentrado por considerável período de tempo de realização intensiva. 'Drão' está entre essas.

Sua criação apresentou altos graus de dificuldade porque ela lidava com um assunto denso – o amor e o desamor, o rompimento, o final de um casamento; porque era uma canção para Sandra [apelidada Drão – daí o título da música] – e para mim. ‘Como é que eu vou passar tanta coisa numa canção só?’, eu me perguntava. Além disso, havia a exigência de excelência, de que o versar tivesse capricho. Então demorou dias e dias de trabalho.

Eu me lembro de estar sentado no chão, anotando frases no caderno, com o violão do lado, e de repente sentir o sufoco do coágulo da criação, e ao mesmo tempo a iminência da explosão da via criativa, e não aguentar, saindo dali e indo para o quarto me deitar e deixar, então, aquele coágulo se dissolver, criando filetes que se encaminhavam pra aqui e pra ali… Aí o cérebro e o coração intumesciam, algumas ideias fluíam, e dois, três ou quatro versos saíam. Satisfeito, eu fechava o caderno e ia embora cuidar da vida. Saía, passava o dia fazendo outras coisas, chegava de noite eu retomava; ficava a madrugada toda de novo.

Outra exigência que eu me colocava era de não me precipitar. Eu queria que o fazer, a prática, o empirismo da realização fossem observados pelo meu ser ali à distância: eu tinha que contemplar o feitio da canção. Ao lado do esforço, da tensão concentrada, tinha que haver a descontração, o relaxamento concentrado – as duas coisas, e todas essas exigências sobrepostas determinando o modo de compor a canção.

Fazer música é uma loucura quando você se coloca tantos problemas."