FELIZ POR UM TRIZ

(1984, gravada em Raça humana, 1984.)
Escolhida por Maria Gil

 

Sou feliz por um triz

Por um triz sou feliz

Mal escapo à fome

Mal escapo aos tiros

Mal escapo aos homens

Mal escapo ao vírus

Passam raspando

Tirando até meu verniz

O fato é que eu me viro mais que picolé

Em boca de banguelo

Por pouco, mas eu sempre tiro o dedo – é

Na hora da porrada do martelo

E sempre fica tudo azul, mesmo depois

Do medo me deixar verde-amarelo

Liga-se a luz do abajur lilás

Mesmo que por um fio de cabelo

Sou feliz por um triz

Por um triz sou feliz

Eu já me acostumei com a chaminé bem quente

Do Expresso do Ocidente

Seguro que eu me safo até muito bem

Andando pendurado nesse trem

As luzes da cidade-mocidade vão

Guiando por aí meu coração

Chama-se o Aladim da lâmpada neon

E de repente fica tudo bom

Comentários de Gil: “Essa faz parte dos rocks de Raça humana, um disco com um repertório constituído em boa parte de músicas compostas no gênero. Assim como ‘Punk da periferia’ assumia-se como o discurso de um punk, ‘Feliz por um triz’ assimila uma linguagem típica de roqueiros. Aqui eu incorporo um deles na primeira pessoa, mas não sou necessariamente eu quem fala, e sim o personagem, o roqueiro. A letra transmite um sentimento de insatisfação diante da insalubridade do entorno, sendo expressão disso por meio da acidez e da rispidez do estilo, do jeitão rock’n’roll de reclamar contra o sistema da vida moderna, de vocalizar o desconforto diante dessa vida. No trecho final, no entanto, eu admito que me coloco com minha personalidade, minha visão, meu desejo e minha crença na capacidade alquímica de transformação, de transmutação. Daí esse final com um milagre, com o gênio da lâmpada dando um jeito na situação…”

Maria Gil justifica sua escolha por trazer Pedro (o irmão que morreu) ao repertório, porque ele tocava nessa música. José Gil toca a bateria como Pedro a tocava.